17 de ago. de 2008

Sobre a criatividade























Sobre a criatividade
+Marcelo Gleiser

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Como bom carioca, "sacada" é a boa tradução para "insight"
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Na semana passada, escrevi sobre o riso. Como vimos, não existe uma teoria aceita que explique a relação entre o estímulo mental causado pela piada e sua transformação na reação física igual em todas as partes. Todo mundo ri da mesma forma, mesmo que seja de piadas diferentes. Dentre as teorias populares, a de Kant é bem razoável, especialmente casada com a de Freud.

Kant disse que rimos quando existe uma interrupção inesperada na lógica da história, uma contradição na expectativa do desenlace. Sem surpresa não rimos. Freud disse que a reação física vem da liberação de impulsos que os superegos reprimem. No universo da piada, podemos "deixar cair".

Existe uma outra dimensão do riso causado pelo humor que gostaria de abordar: sua relação com a criatividade. A palavra inglesa "insight" não tem uma boa tradução em português. Segundo o venerado dicionário Michaelis, "insight" significa "introspecção, compreensão, discernimento, critério". Talvez "compreensão" se aproxime do significado, mas ainda não lhe faz jus. Como bom carioca, "sacada" me parece funcionar melhor, especialmente adicionada de "genial".

O ponto interessante é a conexão entre humor e "insight", o momento do "ahá!", da compreensão inconsciente de algo. Toda piada, quando explicada, perde a graça. A reação física característica do riso, o alívio de uma tensão mental, só se manifesta quando "entendemos" a piada de forma não-racional ou consciente. A compreensão ocorre em algum lugar do cérebro que parece funcionar por si. Se o interrompemos com explicações, a reação da descoberta é perdida.

Assim é com os momentos criativos nas artes e nas ciências. Existe uma preocupação com a obra, um objetivo a ser atingido que permanece arredio. Esse é o análogo da tensão na piada, do encadeamento lógico da história da qual não conhecemos o fim. Não conseguimos provar o teorema, resolver a questão, encontrar a nota certa na composição musical ou o traço certo no quadro. Mas nossos cérebros continuam a funcionar, a buscar conexões na memória, correlacionando fatos e possibilidades. De repente, quando menos esperamos, a solução vem à tona explosivamente, o momento do "ahá!", da sacada.

Esse momento é sempre acompanhado de uma sensação física de liberação, de um alívio que pode até mesmo levar a um estado de êxtase. Deve ser causado por uma corrente turbulenta de reações químicas regadas a muita endorfina. Imagino os neurônios piscando como loucos, transformando o cérebro numa espécie de árvore de Natal. O grego Arquimedes (diz a lenda) saiu correndo nu pelas ruas de Siracusa ao encontrar a solução para um problema que o afligia, um modo de provar que a coroa de seu rei, que deveria ter sido feita de ouro puro, foi na verdade feita de uma mistura de ouro e prata: a densidade determina se algo bóia ou não.

Mas como estudar quantitativamente o momento da sacada? Experimentos nos EUA e na Inglaterra vêm tentando fazer isso. Para tal, usam voluntários com chapéus cobertos de eletrodos capazes de medir as mudanças de corrente elétrica no cérebro quando tentam resolver problemas envolvendo palavras.

Vêem que, quando as pessoas estão num impasse, a atividade cerebral se limita à áreas associadas com o foco seletivo. Segundos antes de a solução chegar, o padrão muda e a atividade migra para a região frontal à direita, implicada na organização do conhecimento e na arquitetura de planos. Porém, os estudos estão longe de serem conclusivos. Falta uma sacada genial para entender o mecanismo mental que leva a ela.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1708200805.htm
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Um comentário:

  1. Anônimo21/8/08

    UM OUTRO RISO

    Tome um quadro aberto de decisões a tomar, feito bifurcações que nos aparecem várias durante a vida.

    O que passa? Indecisão, insegurança? Nem sempre! Pode ser "pesar prós e contras", querer uma E outra alternativa...

    Seja lá o que passa, entremente há sempre a busca por uma referência e também pela total não referência:

    Ora quesitos de semelhança (identificação, conhecimentos anteriores), ora o desejo, a inquietação pela surpresa, a motivação pelo novo.

    Porém, ao chegar à bifurcação, denota-se que um caminho ao menos foi criado até o encontro.

    Assim, cabe, antes um recurso ainda: não fazer nem uma, nem outra escolha; Rir, apenas.

    Essa é a diferença entre a liberdade conquistada e a herdada. No momento em que dois destinos se encontram, os dois podem rir, desacordarem, ou aceitar um acordo que prolongue suas convenções, as saídas polidas e facilmente aceitas, sem que nada seja criado, nada autêntico.

    O riso indica que, na bifurcação das convenções, há o rastro do indiferenciado (velado, surpreendente), que lhe permite começar de novo, como uma criança, como aquele que poeta conforme a natureza, conforme o que o momento inspira.

    Afinal, o Homem pode ser o todo, identidade com aquilo que não tem identidade:

    “Homens um só será e homem todos” (Demócrito, Testemunha, § 124).

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