26 de ago. de 2006

52 O Tempo que Foge

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O Tempo que Foge
(Ricardo Gondim)

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para
viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de
jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas
percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não
quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus
lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não
participarei de conferências que estabelecem prazos
fixos para reverter a miséria do mundo.

Não vou mais a workshops onde se ensina como converter
milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero
que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a
proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para
discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares
e regimentos internos. Não gosto de assembléias
ordinárias em que as organizações procuram se proteger
e perpetuar através de infindáveis detalhes
organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de
pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em
reuniões de "confrontação", onde "tiramos fatos à
limpo".

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário do coral.

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes
gramaticais sutis, ou sobre as diferentes traduções da
Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova
Versão Internacional das Escrituras, só porque há um
grupo que a considera herética. Minha resposta será
curta e delicada: - Gosto, e ponto final!

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "As
pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos". Meu
tempo tornou-se escasso para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar explicando aos medianos
se estou ou não perdendo a fé porque admiro a poesia do
Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria
Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann,
Ernest Hemingway e José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de
gente humana, muito humana; que sabe rir de seus
tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera
eleita para a "última hora"; não foge de sua
mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e
deseja andar humildemente com Deus.

Caminhar perto delas nunca será perda de tempo.
*
Colaboração: Mário Leal Filho - São Paulo-SP - Brasil
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