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O símbolo perdido
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Dan Brown aproveita a fixação popular com a pseudociência
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Robert Langdon, o professor-herói dos romances de Dan Brown, está de volta.
Desta vez, sua batalha é travada bem mais perto de casa. Em vez das ruas de Paris e de Roma, o professor de "simbologia" de Harvard (uma categoria acadêmica que, aliás, não existe: semiótica talvez fosse mais adequado) luta pela sua vida e pelo despertar de uma nova era para a humanidade nas ruas e monumentos de Washington.
A premissa do livro é fascinante: e se a sabedoria do passado, dos egípcios, dos alquimistas, dos videntes e dos magos, guardada corajosamente por maçons, rosacruzes e outros membros de sociedades secretas, estivesse de alguma forma ligada com a ciência moderna -em particular com as ciências neurocognitivas, que exploram o funcionamento do cérebro?
Será que a mente humana tem poderes ocultos que ainda não foram explorados e que têm o potencial de mudar o curso da história? Não vou estragar o livro contando o seu enredo. O que podemos fazer aqui é explorar se as ideias que Brown propõe no livro têm algo de concreto. A premissa é que a Bíblia e a maioria dos textos sagrados têm, essencialmente, a mesma mensagem: nós, humanos, somos deuses.
Senão na prática, ao menos em potencial. Não é à toa que a Bíblia começa com Adão e Eva, imortais, caminhando junto a Deus no Jardim do Éden e culmina, após a perda dessa imortalidade devido à descoberta do pecado, com a Ressurreição. No livro, Brown interpreta a Bíblia e outros textos sacros e profanos como manuais que explicam como podemos voltar a ser deuses.
Os maçons são os guardiães desses segredos, que são preciosos demais para serem revelados. Daí os códigos, os símbolos e a trama mirabolante de como decifrar o mapa que revela onde os segredos se encontram. Esse é o papel da religião na história.
A ciência entra através da heroína, Katherine Solomon. Sua pesquisa que, claro, é secretíssima, concentra-se na chamada "ciência noética", supostamente a ciência que estuda os poderes do cérebro. O mais importante deles é a capacidade da mente de interagir com a matéria: em princípio, podemos mover a matéria com o poder do pensamento. Quem se lembra do israelense Uri Geller e dos vários "entortadores de colher" que eram populares nos anos 1970? Eles seriam exemplos dos superdotados, dos humanos com poderes telecinéticos extremamente avançados.
Brown usa -de forma brilhante, devo dizer- a fixação popular com a pseudociência, ligando-a ao conhecimento dos antigos: eles já sabiam disso tudo, mas, após séculos de perseguição, esse conhecimento foi quase esquecido. Agora, graças à ciência moderna, estaríamos redescobrindo a sabedoria dos nossos antepassados: a ciência justificando a religião no laboratório, mostrando que, de fato, nós somos mesmo semideuses.
O livro de Brown é um símbolo da sua convicção de que, se trabalharmos juntos, podemos transformar o mundo. Sua visão otimista é bastante louvável, se bem que ele também menciona que esse mesmo conhecimento pode ser usado para o mal. O vilão da história está aí para provar isso.
Infelizmente, não existe qualquer evidência concreta de que a mente pode agir sobre a matéria. Os truques de Uri Geller são facilmente repetidos por mágicos. O cérebro não parece ser capaz de gerar uma interação mecânica com os objetos à sua volta. Por outro lado, temos ainda muito a aprender sobre os poderes da mente. Nesse meio tempo, se a força do pensamento pode fazer alguma coisa, é através das ações e escolhas que fazemos -essas sim, capazes de melhorar o mundo em que vivemos.
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0111200904.htm
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Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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