22 de set. de 2008
Envelhecimento
22/09/2008
Envelhecimento europeu traz problemas para governo e economia
Fonte:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/cox/2008/09/22/ult584u635.jhtm
Shelley Emling
Em Piazze, Itália
Numa quente e úmida noite de sábado nessa tranqüila cidade da Toscana, são os mais velhos, e não os adolescentes, que se reúnem na rua principal.
Apelidados de "brigadas de bengala" pelos moradores, esses esquadrões de homens e mulheres grisalhos rotineiramente se encontram para conversar - e não só no sábado à noite.
Piazze representa uma realidade que desafia a Itália e outros países europeus cujas taxas de fertilidade caíram muito nas últimas décadas.
A maior parte da Europa está envelhecendo, gerando uma onda de problemas sociais e econômicos.
Menos jovens significa que haverá menos trabalhadores para sustentar as pensões dos aposentados que vivem muito, colocando um peso severo sobre as economias da Europa.
A bomba-relógio demográfica está pressionando os governos para reformar seus tão apreciados planos de aposentadoria, uma tarefa difícil em meio à crise global.
Piazze, cidade de 800 habitantes, está criando mais imóveis residenciais de baixo custo na esperança de atrair famílias jovens de imigrantes.
Talvez a única vantagem do envelhecimento da população, diz o prefeito Roberto Caldesi, 62, é que praticamente não há desemprego. Aqueles que não estão trabalhando, normalmente "não podem por causa da idade ou por incapacidade física".
Mas o lado ruim para Piazze e outras centenas de cidades e vilas como ela em toda a Europa é a possibilidade bastante real de declínio econômico e mudanças demográficas dramáticas.
"Os governos não podem sentar e esperar", diz Stijn Hoorens, pesquisador da Rand Europe, um grupo independente de pesquisa política em Cambridge, Inglaterra. "Se as taxas de natalidade continuarem muito baixas, e nenhuma medida for tomada, o setor público poderá eventualmente ir à bancarrota."
A Itália tem a população mais velha da Europa - cerca de 20% das pessoas têm 65 anos ou mais - e a Alemanha está bem próxima em segundo lugar.
A população dos Estados Unidos também está envelhecendo. Cerca de 12% dela tem 65 anos ou mais, um número que crescerá para 20% dentro dos próximos 20 anos, de acordo com o Departamento de Censo dos EUA. Estima-se que número de habitantes com 85 anos ou mais deverá triplicar até 2050, para 19 milhões.
Ao mesmo tempo, estudos mostram que as taxas de natalidade na Itália e em muitos outros lugares da Europa, sobretudo a Espanha e a Europa Oriental, caíram para menos de 1,3 nascimentos por mulher, um "sinal de alerta" de que a taxa está tão baixa que poderia fazer com que a população do país caísse pela metade em 45 anos.
Uma taxa de 2,1 é amplamente considerada como uma "taxa de substituição", o número médio de nascimentos necessários por mulher para manter o nível atual da população de um país. A taxa de fertilidade nos Estados Unidos é de 2,1.
Um estudo do Rand Europe faz uma previsão ameaçadora de que haverá 30 milhões a menos de europeus com idade para trabalhar em 2050.
"Ao mesmo tempo, a aposentadoria aumentará ao longo das décadas conforme o número de pessoas de 80 e 90 anos cresce dramaticamente", diz.
Em outras palavras, a proporção entre trabalhadores e aposentados na Europa deve mudar aproximadamente de 4:1 para 2:1 até 2050.
A imigração pode atenuar a demanda por trabalhadores, mas não irá reverter a tendência de envelhecimento da população.
As tensões entre nacionalistas europeus e minorias muçulmanas cresceram nos últimos anos à medida que o medo do extremismo do Islã levou à adoção de políticas antiimigração mais rigorosas em vários países. Em geral, uma desconfiança cada vez mais profunda divide as populações locais e isola as comunidades muçulmanas.
"O número cada vez maior de migrantes necessários para compensar essa tendência seria inédito na história da Europa", disse Hoorens. "E considerando o clima sócio-político de hoje na Europa; é muito pouco provável que essa seja considerada uma opção viável."
Alguns especialistas fazem uma previsão sombria de que não tardará para que a Europa se transforme num lugar destituído de etnias gregas ou italianas, mas repleto de imigrantes muçulmanos que irão alterar para sempre as culturas nacionais tradicionais do continente.
A cidade de Veneza já perdeu mais da metade de sua população desde 1950; a pequena Letônia perdeu 13% de sua população desde 1989.
"A menos que corrija o curso durante os próximos cinco a dez anos, a Europa do final deste século será como um continente devastado pela bomba de nêutrons: os grandes edifícios continuarão em pé, mas as pessoas que os construíram terão ido embora", escreveu o conservador Mark Steyn em seu livro campeão de vendas "America Alone".
As causas por trás do declínio das taxas de fertilidade são muitas, mas a mais óbvia foi a introdução em massa de métodos contraceptivos em meados do século 20.
Outros fatores também estão em jogo, incluindo o aumento do número de mulheres mais velhas que têm seu primeiro filho.
Famílias com filhos únicos tornaram-se norma na Itália, país que incentiva as crianças e onde cada vez mais mulheres estão evitando ter filhos até depois dos 40 anos, até que atinjam uma estabilidade financeira, explica Francesco Billari, demógrafo da Universidade Bocconi, em Milão.
A Itália está na frente de todas as nações desenvolvidas no que diz respeito ao número de mães com 40 anos ou mais que têm seu primeiro filho, disse.
Billari também disse que a postergação da fertilidade é mais pronunciada em sociedades onde os jovens têm dificuldades de se emancipar e sair da casa dos pais.
Estudos mostram que mais de um terço dos homens italianos vivem com os pais pelo menos até os 30 anos, principalmente por causa dos custos extremamente altos dos imóveis e das restrições do mercado de trabalho.
A França teve sucesso em promover a natalidade. Ela implantou medidas de isenção de impostos e transportes e outros incentivos como parte de uma política pró-nascimentos que resultou na maior taxa de natalidade da Europa - duas crianças para cada mulher em idade reprodutiva.
Porém, os especialistas afirmam que muitos outros países europeus ainda precisam confrontar totalmente a realidade da redução das forças de trabalho que tentam sustentar as populações em envelhecimento.
Carl Haub, demógrafo do Escritório de Referência em População em Washington (EUA), disse que mais governos europeus estão começando a considerar o aumento da idade para a aposentadoria, mas é uma idéia que "irá encontrar uma resistência grande".
Os países europeus têm tentando emendar a situação com novas leis previdenciárias. No entanto, muitas medidas de reforma foram suspensas ou postergadas por conta da oposição dos sindicatos.
O presidente francês Nicolas Sarkozy quer que as pessoas trabalhem 41 anos antes de se qualificar para uma aposentadoria completa, em vez dos atuais 40 anos.
Entretanto ele concordou em manter a idade mínima para a aposentadoria em 60 anos apesar de muitos países vizinhos, incluindo a Grã-Bretanha, terem-na aumentado para 65.
A Itália concordou em aumentar sua idade mínima de aposentadoria para 60 anos em 2009, e depois decidiu postergar a decisão até 2017.
A Alemanha aumentou sua idade oficial de aposentadoria de 65 para 67 anos, mas suspendeu por um ano o plano para reduzir o aumento anual das pensões.
Os europeus estão acostumados a se aposentar cedo. De acordo com uma pesquisa recente, apenas 60% dos homens entre 50 e 64 anos na França ainda trabalham.
De certa forma, os desafios da Europa são diferentes dos que enfrentam os Estados Unidos. O aumento dos custos de uma sociedade americana envelhecida estão relacionados com o crescimento dos gastos com saúde, enquanto os problemas na Europa são mais diretamente relacionados à mudança demográfica.
Outra diferença: os gastos com aposentadorias na Europa geralmente representam uma fatia muito maior da economia total do que nos Estados Unidos.
Na França, por exemplo, os custos das aposentadorias pagas pelo Estado em relação ao produto interno bruto estão crescendo e atingirão 14,8% em 2050, comparados aos 13,3% de hoje - mais do que o dobro do que a economia dos EUA destina ao pagamento de planos de aposentadoria federais.
Mas os custos do governo estão sendo aliviados de certa forma pelo sucesso de planos de aposentadoria privada relativamente novos em alguns países.
Em 2001, a Alemanha introduziu um sistema de redução de impostos para encorajar as pessoas a guardar dinheiro para suas próprias aposentadorias. Mais de 11 milhões de alemães estão participando, excedendo as expectativas anteriores à implantação do plano.
A Suécia também obteve sucesso. Os empregados contribuem com 18,5% de seus rendimentos para o sistema previdenciário, incluindo 2,5% em investimentos em ações e fundos administrados pela iniciativa privada escolhidos pelo trabalhador.
Mesmo assim, Monika Queisser, especialista em aposentadoria na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico em Paris, disse que os países europeus precisam fazer mais.
"Muitos países introduziram reformas na previdência, mas em muitos casos essas reformas são feitas em fases, de forma lenta, e a aposentadoria precoce ou com benefícios relativamente altos ainda será possível durante muitos anos", disse.
E Queisser diz que as reformas na previdência por si só não são suficientes para enfrentar os desafios proporcionados pelas populações em envelhecimento. Os países precisam mobilizar reservas em seus mercados de trabalho para manter os padrões de vida das sociedades com grandes proporções de idosos, diz.
Isso significa ajudar grupos sem representatividade a encontrar empregos, incluindo "mães que não trabalham, pessoas desempregadas há muito tempo, jovens, ou deficientes que são capazes e desejam trabalhar", concluiu.
Tradução: Eloise De Vylder
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