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Canto de chegada, choro de adeus
José Sarney
EM 1998 , na minha penúltima eleição para senador, conheci no Amapá uma repórter e apresentadora de televisão simpática, talentosa e inteligente. Era do Maranhão e fora contratada por uma equipe de TV para a campanha eleitoral do Amapá. Sorriso aberto, alegria sempre nos lábios.
Era uma moça negra que transmitia aos telespectadores segurança e uma presença carinhosa. De grande coração, alegre, solidária. Reencontrei-a em São Luís, apaixonada por um jovem antropólogo alemão que estava havia muitos meses embrenhado na selva entre os guajajaras, no interior do Maranhão. Dalva foi para a Alemanha, casou-se, tiveram uma filha, Hannah, que era o encanto do pai. Por ela tinha verdadeira fascinação.
Dalva vivia um conto de fadas na Alemanha, mas seu marido não esquecia dos índios, queria voltar ao seu convívio e aos seus estudos.
Voltaram ao Brasil.
Andréas não desejava que Hannah -alfabetizada em alemão- esquecesse a língua da terra onde nascera, e com ela conversava todas as noites, contando histórias dos lagos de Hamburgo e das bruxas da Baviera. Como no poema de Raul Bopp, longe da pátria, ela ficava no colo e pedia: "Papai, conta-me histórias". Ele foi para o Amazonas e estava feliz porque ia conhecer uma nova tribo no Xingu.
Ligou entusiasmado, anunciou à filha as histórias que iria contar quando chegasse a Brasília no dia seguinte. Metódico, marcou hora: 20 horas e 30 minutos. "Vá me buscar no aeroporto".
Sua filha brincava com outras amigas no pátio do prédio onde mora. Às 16h30, a menina Hannah parou e disse às colegas: "O avião de meu pai explodiu". Todas ficaram curiosas. Hannah não disse mais nada e continuou a brincar.
Dalva foi ao aeroporto receber Andréas. Esperou, foi à companhia aérea e da angústia passou ao desespero. Como dizer à filha? Hannah deve saber tudo. Por que tramas do destino ela soubera que o avião de seu pai tinha explodido? Quando sua mãe em prantos contou-lhe a verdade, ela pediu-lhe para não chorar: "Papai em breve vai voltar".
Essa moça pobre do Maranhão, que lutou para se formar, apaixonou-se, casou, viveu o sonho de um príncipe encantado louro e teve uma princesa loura de cabelos crespos. Seu marido lutou em Kosovo e não morreu.
Vem um Legacy, em rotas de milhares de milhas, e, num segundo, numa entre bilhões de probabilidades, encontra-se com o Boeing em que Andréas sonhava com a sua nova tribo no Xingu, e sua esposa, linda preta de sorriso de extrema simpatia, com o coração de reencontro, encontra-se com as lágrimas do adeus. Como dizia Drummond: "Mundo, vasto mundo..."
Extraído de: Folha de S.Paulo, 06/10/06
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Colaboração: Ricardo Leal - São Paulo-SP - Brasil
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