13 de ago. de 2006
52 Os Patriarcas
Os Patriarcas
Já me encontro na Terra há muitos anos, e além de constatar ao longo desta caminhada as minhas próprias limitações e desmandos, registrei muitas vezes os resultados tristes das agressões humanas, sempre oriundas do egoísmo, o grande gerador de misérias, tanto para o campo moral de quem as provoca, quanto para a esfera de quem sofre suas investidas.
Embora contando com apenas cinco anos de idade na época, recordo-me plenamente dos últimos suspiros da 2a guerra mundial. Esse infausto acontecimento marcou profundamente minha infância, pois, exatamente nessa ocasião meus pais se separaram e eu na minha inocência de criança atribui a dissolução do meu lar ao desentendimento que estava ocorrendo entre as nações.
Sentia-me indefeso em meio a tudo aquilo que estava ocorrendo, tão inseguro, que sozinho num pequeno quarto na casa de meus avós, chorando baixinho, pedia a Deus que reaproximasse meus pais, para que eu tivesse de volta o meu lar, o meu quintal, a minha segurança.
Estranhava que a guerra não havia atingido outros lares, já que nas casas vizinhas as pessoas riam e as crianças brincavam felizes.
Quando fui matriculado para cursar o primário, dirigia-me à escola sentindo-me como um Ser à parte da Criação.Durante a caminhada as crianças referiam-se aos pais como se eles fossem verdadeiros heróis, eu prosseguia calado qual um estrangeiro em meio a pessoas que pareciam falar outro idioma.
Num determinado domingo, meu pai esteve lá na casa de meus avós e me senti imensamente feliz em revê-lo.Depois de algumas horas de alegre convívio quando todos conversavam animadamente, dele me aproximei e com ares de familiaridade lhe pedi:
– Pai me dá uma bola de capotão!
Ele depois de exibir um sorriso amarelo respondeu:
– Deixa de asneiras menino!Já cansei de comprar bolas para os meus outros filhos e os danados as furaram de canivetes!
Aquela revelação caiu como verdadeira bomba sobre mim. Ele era meu pai, só meu, como poderia ter outros filhos?
Mas percebi ao longo da vida que tantas outras pessoas também viviam grandes problemas...
Encontrei nas esquinas da vida, mães desnutridas apertando os seios ressequidos nas tentativas frustradas de amamentar o filho, cujo choro inaudível, não despertava a compaixão do povo que transitava absorto pelos próprios problemas.
Vi uma criança correndo completamente nua, no corpo queimado denunciava a explosão do egoísmo humano nos estertores de impiedosa guerra.Não muito distante dali, nem no tempo, nem geograficamente, assisti aniquilamentos de populações indefesas em nome da segurança, e os resultados mostraram sapatinhos e bonecas em meio aos escombros.Por outro lado, o chamado líder, o patriarca desse povo preferiu ver sua gente ser dizimada por implacável ataque bélico a abandonar o poder numa saída estratégica, dizendo que jamais deixaria o trono, alegando o contra-senso de que assim procedia por amor aos seus.
Assim como as pestes epidêmicas reclamam providências da ciência para a extinção de tais enfermidades, o clima do mundo pede socorro contra as atuações monstruosas desses turistas do mal, que ao expelirem os suores nauseantes de suas almas, poluem a atmosfera do planeta. Sobrevivem também dos ovos gerados pelas aves distantes, mantidas além de suas cercanias “invioláveis”, as vampirizam, mas não as beijam, guardando posição defensiva e quando julgam necessário, simplesmente direcionam seus mísseis para abate-las.
Na verdade, infelizmente tais características anômalas ainda fazem parte de uma grande parcela da criatura humana que em maior ou menor escala atira petardos impiedosos, apagando sorrisos, destruindo lares e sacrificando àqueles que se lhe subordinam.Recordando um velho adágio: “Conheça o verdadeiro crápula dando a ele alguma espécie de poder”. Sim cometem os maiores deslizes, sacrificando os semelhantes e alegam com a maior desfaçatez que o fazem por uma espécie de amor, que certamente não possui o seu nascedouro no campo das boas intenções.
Existem aqueles que escravizam, outros que exploram sentimentos e ainda outros que a pretexto de estarem vivendo um momento especial de muito amor, acabam acenando com um adeus para os filhos que se limitam entre lágrimas a observa-los na triste despedida.
Assim como os grandes incêndios se originam de uma minúscula cabeça de fósforo, muitas hecatombes no mundo tiveram os seus princípios num duelo odioso, aparentemente inconseqüente.Não alcançaremos a Paz verdadeira enquanto estivermos desrespeitando àqueles chamados indefesos, pois eles são sem sombras de dúvidas, um teste para que saibamos até que ponto ainda existe em nós a tendência de usarmos a milenar chibata.
Ainda ontem o choro convulso de uma criança chamou minha atenção. Condoído aproximei-me de seu portão e colocando a mão entre as grades acariciei os anéis de seus cabelos, e em seguida perguntei o porquê de tantas lágrimas, ela fitou-me como se estivesse sozinha no mundo e respondeu:
– Papai foi embora de casa...
– Seu papai estava muito bravo quando se foi?
– Não, ele disse que estava amando muito outra pessoa...
Todo o meu passado veio à tona, olhei para aquele sofrido pedaço de gente.Notei que aquele olhar infantil assustado temia as explosões de uma luta grandiosa que apenas começava, e então, ajoelhando-me a sua frente, confesso que penalizado, também chorei...
Autor: Álvaro Basile Portughesi - São Paulo/SP - Brasil
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